Catarina Eufémia é um “instante”. É a precisa conjuntura em que um oficial da GNR premiu o gatilho da sua pistola-metralhadora. Três vezes. Tal como três foram as balas que atingiram a ceifeira de Baleizão. Fatalmente. Pelas costas. O que se passou antes do “momento” Catarina Eufémia é vida. Uma vida como todas as outras e, como é óbvio, diferente de todas as outras. Já o que veio depois do seu homicídio é crença. Ou fé. Ou estética. Política.
Há uma mulher por detrás da lenda. Há uma mulher muito para além do simbolismo que Catarina Eufémia representa na mais ancestral e ininterrupta das guerras que assolam a Humanidade: a luta pela posse e pelo uso da terra. Catarina Eufémia não faz parte dessa narrativa global. Ela é a própria narrativa. É a substância e a utopia, ao mesmo tempo. Não é passado, nem futuro. É o tal “instante”, sempre conjugado no modo presente, que a deitou por terra na manhã de 19 de maio de 1954. Em Baleizão. A “aldeia vermelha”, segundo o regime de então.
Daí a impossibilidade de retratar Catarina Eufémia na sua plenitude. Com rigor e exatidão. Sem efabular. Nem embarcar na deriva da imaginativa popular, sempre em construção (ou reconstrução). Não é jornalismo, nem ficção, nem ensaio, nem documentário, nem propaganda, o que aqui nos traz. Ou talvez até seja tudo isso, de uma assentada, sem que tenhamos dado conta de tal eventualidade. De tal performance ocasional. De tal hipótese de instalação artística.
Há sete décadas foi assassinada uma jovem camponesa, de 26 anos, que apenas reclamava pão para alimentar os seus três filhos. Hoje, as mulheres voltaram a trabalhar nos campos de Baleizão. Descobrimos uma Catarina em cada uma delas. É provável que seja este o “instante” em que a lenda se transforma em mito.
